Da noite para o dia, as linhas de produção no tradicional polo automotivo de São Bernardo do Campo, na Grande São Paulo, praticamente pararam. Quando a disseminação do novo coronavírus começou a ganhar velocidade no Brasil, a multinacional alemã Mercedes-Benz precisou fechar temporariamente sua fábrica de caminhões no bairro industrial de Pauliceia.
Os diferentes impactos da pandemia não se limitaram a seus cerca de 6.200 funcionários: alcançaram os 280 pontos de venda da marca espalhados pelo país e todo o setor de veículos comerciais. Subitamente, a tendência de digitalização do negócio de venda de caminhões tornou-se uma urgência. Mas a solução encontrada para acelerar a estratégia que lhe permitiria atravessar a crise com menos danos estava do lado de fora dos portões da montadora, na startup Mobiauto, que criou um novo modelo de classificados de veículos.
“Decidimos rasgar o protocolo típico de uma grande empresa para conseguir implementar inovações. Buscar parcerias envolve admitir que não teremos todas as soluções dentro de casa, e esse processo é doloroso, exige desapego”, afirma Roberto Leoncini, vice-presidente da Mercedes-Benz do Brasil.
A colaboração entre a centenária montadora e a startup, que nasceu em 2019 em São Paulo com foco em automóveis, permitiu desenvolver em apenas três semanas o show-room virtual da Mercedes-Benz, catalogando todo o estoque da rede e conectando clientes a concessionários.
O sucesso do site — que acumula, desde maio, mais de 78.000 visitas e 1.000 intenções de compra dos clientes — evidencia o acerto do crescente esforço da indústria de base brasileira em sofisticar processos e também a força das empresas de tecnologia do país, que continuaram muito demandadas durante a pandemia e por isso sofreram menos do que as de outros setores na crise.
“O mais desafiador foi criar um projeto que deveria demorar quatro meses em menos de um”, diz Sant Clair de Castro Junior, um dos dois fundadores da Mobiauto. “Caminhão é um negócio fantástico, que move a economia do país. Para nós, passar a entender desse universo foi um grande aprendizado.” Um legítimo caso de ganha-ganha.
No caos da pandemia, a siderúrgica gaúcha Gerdau, fabricante de vergalhões para a construção civil, também contou com uma startup que já era de casa para um projeto vital: erguer centros de tratamento da covid-19 no ritmo exigido pela maior emergência de saúde pública do país em um século.
Com a Brasil ao Cubo, que inventou um método de construção com módulos pré-fabricados, conseguiu colocar de pé um hospital em São Paulo e outro em Porto Alegre em 60 dias. A construtech foi descoberta em 2019 no meio de 600 startups que participaram de uma seleção para integrar uma aceleradora lançada pela siderúrgica.
“Há muito tempo a Gerdau vinha buscando uma solução para a baixa produtividade na construção civil e nós a trouxemos. A inovação aberta [com parceiros externos à empresa] acabou aproximando os agentes do ecossistema empreendedor”, diz Ricardo Mateus, presidente da Brasil ao Cubo, que usa o aço da Gerdau em suas obras.
“Para as startups, as parcerias também são muito importantes, pois funcionam como um selo de aprovação para investidores e outros potenciais clientes, além de uma forma de testar um produto com um grande público”, afirma Giovanna Fiorini, coordenadora de inovação aberta da Endeavor Brasil, organização global de fomento ao empreendedorismo.
A digitalização das vendas dos caminhões Mercedes-Benz e a parceria entre a Gerdau e a Brasil ao Cubo são os mais recentes exemplos do movimento de modernização da indústria pesada que ganhou velocidade nos últimos anos. Cada vez mais frequentemente, o caminho da inovação é percorrido com o apoio de empresas seminais de tecnologia.
Segundo a 100 Open Startups, empresa que monitora o ecossistema brasileiro de inovação aberta, o número de contratos entre startups e grandes empresas de todos os setores cresceu 20 vezes nos últimos cinco anos. Só nos últimos 12 meses, 1.635 empresas fecharam parcerias com startups brasileiras.
A fabricante de cosméticos Natura, a siderúrgica ArcelorMittal e o banco BMG foram os grupos com maior número de contratos fechados no período. “A inovação aberta passou a ser sinônimo de relacionamento com startups.
Outros tipos de inovação, com centros de pesquisa e universidades, continuam existindo, mas a busca por parcerias com startups cresceu de forma exponencial”, diz Bruno Rondani, fundador da 100 Open Startups. Segundo levantamento feito pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), 44% das indústrias entrevistadas não têm uma área dedicada à inovação.
Cerca de 90% nunca se aliaram a uma startup para inovar e 51% nem sequer têm interesse em estabelecer uma parceria com elas. “Setores altamente regulados são mais difíceis para uma startup entrar e se desenvolver, por isso é menos comum ver parcerias com a indústria. No geral, os processos de inovação se limitam ao administrativo, como na área de recursos humanos ou no jurídico”, afirma Ilana Nasser, diretora de relações institucionais da Endeavor Brasil.
Esse foi o primeiro passo dado na inovação aberta pela fabricante de balanças Toledo, fundada em 1956. A companhia acaba de contratar a Gupy, startup criada por quatro empreendedores, incluindo a administradora de empresas Mariana Dias, para realizar processos de recrutamento e seleção de profissionais com o uso de inteligência artificial.
Em busca de soluções tecnológicas para reinventar seu negócio ou entrar em novas áreas, as manufaturas brasileiras se inspiram em gigantes internacionais, como o buscador Google, mas têm na fabricante de motores elétricos catarinense WEG seu maior modelo nacional, segundo a pesquisa da CNI.
Com um departamento interno de inovação, a catarinense teve 44% da receita de 2019 proveniente de produtos lançados ou atualizados nos últimos anos. Em 2020, decidiu pisar no acelerador: mais do que simplesmente contratar empresas de tecnologia para desenvolver soluções, decidiu absorver startups.
Anunciou em julho a aquisição da BirminD, que usa inteligência artificial para otimizar processos, um mês depois de comprar a Mvisia, de controle de qualidade de produção. Comprar startups é uma tática para ganhar agilidade no processo de inovação também bastante usada pelas grandes empresas. Em 2020, 78 fusões e aquisições de startups já foram realizadas no país, um número recorde segundo análise da Distrito, organização que faz pesquisas sobre empreendedorismo no Brasil. O volume acumulado em 2020 é 27,8% superior ao de todo o ano de 2019.
A crise pode ter apressado o esforço de inovação de algumas manufaturas, mas a maioria ainda enxerga a área como não sendo essencial para o negócio. Essa é a conclusão possível de tirar de um estudo realizado pela Fundação Dom Cabral em parceria com a Associação Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento das Empresas Inovadoras (Anpei), em julho deste ano, que mostra que os trabalhos de pesquisa e desenvolvimento da indústria foram mais afetados pela pandemia do que em outros setores.
Enquanto 55% dos industriais afirmaram que a área de P&D foi negativamente afetada pela crise, 42% das companhias de serviços efetuaram cortes nesse departamento. A taxa entre as empresas de tecnologia foi de apenas 24% — assim como a Mobiauto, que precisou desbravar um novo campo de atuação durante a pandemia, muitas outras startups usaram a oportunidade para crescer.
As principais razões apontadas pelos entrevistados para reduzir os investimentos em P&D são a pressão para resolver problemas de curto prazo e a dificuldade de acessar laboratórios e espaços de trabalho próprios.
“Anteriormente, muitas empresas já sabiam que buscar inovação aberta era importante, mas ainda tentavam inovar sozinhas. Agora isso ficou ultrapassado. Com a pandemia, os lançamentos precisam ser acelerados até para a sobrevivência do negócio”, afirma Rafael Navarro, presidente da Anpei.
O êxito das parcerias com as startups pode mostrar para um número maior de manufaturas que ficou mais fácil e barato inovar. O investimento em tecnologia não tem sido prioridade para a maioria, um erro de avaliação que o surto do novo coronavírus evidenciou.
Antes da pandemia, apenas 2% das empresas locais aplicavam os conceitos da indústria 4.0 em suas linhas de produção, segundo a Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial. De acordo com o ranking do Índice Global de Inovação 2020, divulgado no início de setembro, o Brasil ocupa a 62a posição entre os 131 países analisados. Apesar de uma melhora de quatro posições em relação a 2019, o país continua 15 posições atrás da 47a colocação que ocupava em 2011.
“Essa situação não corresponde ao tamanho e à importância da economia brasileira. O esforço tecnológico de nossa indústria encolheu de forma acentuada e as empresas tiveram menos acesso a recursos públicos destinados à inovação”, afirma Gianna Sagazio, diretora de inovação da CNI.
O dado mais recente da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) sobre os investimentos dos países em pesquisa e desenvolvimento escancaram o atraso do Brasil. O setor público e a iniciativa privada dos Estados Unidos investiram, juntos, mais de 550 bilhões de dólares em P&D em 2017. Valor semelhante foi aplicado pela China no mesmo período. Por aqui, o montante foi de apenas 40 bilhões de dólares naquele ano.
As vantagens de inovar são claras. Mas formar essa consciência é apenas o primeiro passo de um longo e complexo processo. Rafael Cagnin, economista do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial, reforça a importância de departamentos ou áreas dentro da empresa que possam fazer a mediação entre os parceiros.
“A cultura mais flexível e ágil de uma startup se contrapõe à estrutura tradicional e hierarquizada das grandes empresas”, diz o especialista. “As duas equipes têm de trabalhar juntas para desenvolver as soluções, pois uma boa ideia precisa ser adaptada e customizada para determinado produto ou serviço.”
As particularidades do setor industrial, que usa muitas patentes e segredos de produção, às vezes podem limitar a inovação aberta. “As indústrias de grande porte têm bastante receio de abrir informações sobre a manufatura para terceiros, com medo de fraudes ou roubo de dados sobre o negócio”, diz Romeu Gadotti, diretor de projetos da Supero Tecnologia, consultoria de software de Santa Catarina.
A empresa, fundada há 17 anos, tem conquistado gradualmente grandes clientes na indústria, mostrando que é possível haver segurança no processo de inovação aberta. Um de seus maiores clientes atualmente é a ArcelorMittal, que há dois anos usa um de seus programas para monitorar a qualidade da produção do aço antes da entrega ao cliente.
O software da Supero, desenvolvido em parceria com a siderúrgica, consegue indicar quais bobinas precisam ser testadas, selecionar os testes adequados para cada caso e registrar os resultados. “Conseguimos agregar valor ao processo produtivo e evitar gastos desnecessários de logística reversa, pois diminuímos o risco de o cliente precisar devolver um produto para reparos”, diz Gadotti.
A jornada de inovação aberta da Ocyan, que opera equipamentos como navios-sonda para a extração de petróleo no mar, pode ser definitiva para convencer e animar outras empresas de base a se abrir para esse tipo de parceria. Em 2019, lançou um concurso para startups apresentarem soluções para alguns dos dilemas vividos pela companhia em seu dia a dia, desde administrativos até operacionais. Atuou, assim, como um “cliente-anjo”.
Das oito startups que foram até a fase final de desenvolvimento de projetos, seis se tornaram fornecedores da companhia — como a Delfos, de Fortaleza, que atuava no ramo de energia eólica mas resolveu dar um salto para a indústria petrolífera usando essa oportunidade.
A seleção para a segunda rodada do Ocyan Waves Challenge, neste ano, já recebeu 125 inscrições. “Ficamos surpresos com a qualidade dos trabalhos apresentados. As startups brasileiras têm todas as condições de enfrentar esses desafios”, diz Rodrigo Lemos, diretor de produção offshore da Ocyan e líder do concurso. Para essas empresas de tecnologia, não vai faltar trabalho para ajudar a indústria nacional.
Os diferentes impactos da pandemia não se limitaram a seus cerca de 6.200 funcionários: alcançaram os 280 pontos de venda da marca espalhados pelo país e todo o setor de veículos comerciais. Subitamente, a tendência de digitalização do negócio de venda de caminhões tornou-se uma urgência. Mas a solução encontrada para acelerar a estratégia que lhe permitiria atravessar a crise com menos danos estava do lado de fora dos portões da montadora, na startup Mobiauto, que criou um novo modelo de classificados de veículos.
“Decidimos rasgar o protocolo típico de uma grande empresa para conseguir implementar inovações. Buscar parcerias envolve admitir que não teremos todas as soluções dentro de casa, e esse processo é doloroso, exige desapego”, afirma Roberto Leoncini, vice-presidente da Mercedes-Benz do Brasil.
A colaboração entre a centenária montadora e a startup, que nasceu em 2019 em São Paulo com foco em automóveis, permitiu desenvolver em apenas três semanas o show-room virtual da Mercedes-Benz, catalogando todo o estoque da rede e conectando clientes a concessionários.
O sucesso do site — que acumula, desde maio, mais de 78.000 visitas e 1.000 intenções de compra dos clientes — evidencia o acerto do crescente esforço da indústria de base brasileira em sofisticar processos e também a força das empresas de tecnologia do país, que continuaram muito demandadas durante a pandemia e por isso sofreram menos do que as de outros setores na crise.
“O mais desafiador foi criar um projeto que deveria demorar quatro meses em menos de um”, diz Sant Clair de Castro Junior, um dos dois fundadores da Mobiauto. “Caminhão é um negócio fantástico, que move a economia do país. Para nós, passar a entender desse universo foi um grande aprendizado.” Um legítimo caso de ganha-ganha.
No caos da pandemia, a siderúrgica gaúcha Gerdau, fabricante de vergalhões para a construção civil, também contou com uma startup que já era de casa para um projeto vital: erguer centros de tratamento da covid-19 no ritmo exigido pela maior emergência de saúde pública do país em um século.
Com a Brasil ao Cubo, que inventou um método de construção com módulos pré-fabricados, conseguiu colocar de pé um hospital em São Paulo e outro em Porto Alegre em 60 dias. A construtech foi descoberta em 2019 no meio de 600 startups que participaram de uma seleção para integrar uma aceleradora lançada pela siderúrgica.
“Há muito tempo a Gerdau vinha buscando uma solução para a baixa produtividade na construção civil e nós a trouxemos. A inovação aberta [com parceiros externos à empresa] acabou aproximando os agentes do ecossistema empreendedor”, diz Ricardo Mateus, presidente da Brasil ao Cubo, que usa o aço da Gerdau em suas obras.
“Para as startups, as parcerias também são muito importantes, pois funcionam como um selo de aprovação para investidores e outros potenciais clientes, além de uma forma de testar um produto com um grande público”, afirma Giovanna Fiorini, coordenadora de inovação aberta da Endeavor Brasil, organização global de fomento ao empreendedorismo.
A digitalização das vendas dos caminhões Mercedes-Benz e a parceria entre a Gerdau e a Brasil ao Cubo são os mais recentes exemplos do movimento de modernização da indústria pesada que ganhou velocidade nos últimos anos. Cada vez mais frequentemente, o caminho da inovação é percorrido com o apoio de empresas seminais de tecnologia.
Segundo a 100 Open Startups, empresa que monitora o ecossistema brasileiro de inovação aberta, o número de contratos entre startups e grandes empresas de todos os setores cresceu 20 vezes nos últimos cinco anos. Só nos últimos 12 meses, 1.635 empresas fecharam parcerias com startups brasileiras.
A fabricante de cosméticos Natura, a siderúrgica ArcelorMittal e o banco BMG foram os grupos com maior número de contratos fechados no período. “A inovação aberta passou a ser sinônimo de relacionamento com startups.
Outros tipos de inovação, com centros de pesquisa e universidades, continuam existindo, mas a busca por parcerias com startups cresceu de forma exponencial”, diz Bruno Rondani, fundador da 100 Open Startups. Segundo levantamento feito pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), 44% das indústrias entrevistadas não têm uma área dedicada à inovação.
Cerca de 90% nunca se aliaram a uma startup para inovar e 51% nem sequer têm interesse em estabelecer uma parceria com elas. “Setores altamente regulados são mais difíceis para uma startup entrar e se desenvolver, por isso é menos comum ver parcerias com a indústria. No geral, os processos de inovação se limitam ao administrativo, como na área de recursos humanos ou no jurídico”, afirma Ilana Nasser, diretora de relações institucionais da Endeavor Brasil.
Esse foi o primeiro passo dado na inovação aberta pela fabricante de balanças Toledo, fundada em 1956. A companhia acaba de contratar a Gupy, startup criada por quatro empreendedores, incluindo a administradora de empresas Mariana Dias, para realizar processos de recrutamento e seleção de profissionais com o uso de inteligência artificial.
Em busca de soluções tecnológicas para reinventar seu negócio ou entrar em novas áreas, as manufaturas brasileiras se inspiram em gigantes internacionais, como o buscador Google, mas têm na fabricante de motores elétricos catarinense WEG seu maior modelo nacional, segundo a pesquisa da CNI.
Com um departamento interno de inovação, a catarinense teve 44% da receita de 2019 proveniente de produtos lançados ou atualizados nos últimos anos. Em 2020, decidiu pisar no acelerador: mais do que simplesmente contratar empresas de tecnologia para desenvolver soluções, decidiu absorver startups.
Anunciou em julho a aquisição da BirminD, que usa inteligência artificial para otimizar processos, um mês depois de comprar a Mvisia, de controle de qualidade de produção. Comprar startups é uma tática para ganhar agilidade no processo de inovação também bastante usada pelas grandes empresas. Em 2020, 78 fusões e aquisições de startups já foram realizadas no país, um número recorde segundo análise da Distrito, organização que faz pesquisas sobre empreendedorismo no Brasil. O volume acumulado em 2020 é 27,8% superior ao de todo o ano de 2019.
A crise pode ter apressado o esforço de inovação de algumas manufaturas, mas a maioria ainda enxerga a área como não sendo essencial para o negócio. Essa é a conclusão possível de tirar de um estudo realizado pela Fundação Dom Cabral em parceria com a Associação Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento das Empresas Inovadoras (Anpei), em julho deste ano, que mostra que os trabalhos de pesquisa e desenvolvimento da indústria foram mais afetados pela pandemia do que em outros setores.
Enquanto 55% dos industriais afirmaram que a área de P&D foi negativamente afetada pela crise, 42% das companhias de serviços efetuaram cortes nesse departamento. A taxa entre as empresas de tecnologia foi de apenas 24% — assim como a Mobiauto, que precisou desbravar um novo campo de atuação durante a pandemia, muitas outras startups usaram a oportunidade para crescer.
As principais razões apontadas pelos entrevistados para reduzir os investimentos em P&D são a pressão para resolver problemas de curto prazo e a dificuldade de acessar laboratórios e espaços de trabalho próprios.
“Anteriormente, muitas empresas já sabiam que buscar inovação aberta era importante, mas ainda tentavam inovar sozinhas. Agora isso ficou ultrapassado. Com a pandemia, os lançamentos precisam ser acelerados até para a sobrevivência do negócio”, afirma Rafael Navarro, presidente da Anpei.
O êxito das parcerias com as startups pode mostrar para um número maior de manufaturas que ficou mais fácil e barato inovar. O investimento em tecnologia não tem sido prioridade para a maioria, um erro de avaliação que o surto do novo coronavírus evidenciou.
Antes da pandemia, apenas 2% das empresas locais aplicavam os conceitos da indústria 4.0 em suas linhas de produção, segundo a Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial. De acordo com o ranking do Índice Global de Inovação 2020, divulgado no início de setembro, o Brasil ocupa a 62a posição entre os 131 países analisados. Apesar de uma melhora de quatro posições em relação a 2019, o país continua 15 posições atrás da 47a colocação que ocupava em 2011.
“Essa situação não corresponde ao tamanho e à importância da economia brasileira. O esforço tecnológico de nossa indústria encolheu de forma acentuada e as empresas tiveram menos acesso a recursos públicos destinados à inovação”, afirma Gianna Sagazio, diretora de inovação da CNI.
O dado mais recente da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) sobre os investimentos dos países em pesquisa e desenvolvimento escancaram o atraso do Brasil. O setor público e a iniciativa privada dos Estados Unidos investiram, juntos, mais de 550 bilhões de dólares em P&D em 2017. Valor semelhante foi aplicado pela China no mesmo período. Por aqui, o montante foi de apenas 40 bilhões de dólares naquele ano.
As vantagens de inovar são claras. Mas formar essa consciência é apenas o primeiro passo de um longo e complexo processo. Rafael Cagnin, economista do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial, reforça a importância de departamentos ou áreas dentro da empresa que possam fazer a mediação entre os parceiros.
“A cultura mais flexível e ágil de uma startup se contrapõe à estrutura tradicional e hierarquizada das grandes empresas”, diz o especialista. “As duas equipes têm de trabalhar juntas para desenvolver as soluções, pois uma boa ideia precisa ser adaptada e customizada para determinado produto ou serviço.”
As particularidades do setor industrial, que usa muitas patentes e segredos de produção, às vezes podem limitar a inovação aberta. “As indústrias de grande porte têm bastante receio de abrir informações sobre a manufatura para terceiros, com medo de fraudes ou roubo de dados sobre o negócio”, diz Romeu Gadotti, diretor de projetos da Supero Tecnologia, consultoria de software de Santa Catarina.
A empresa, fundada há 17 anos, tem conquistado gradualmente grandes clientes na indústria, mostrando que é possível haver segurança no processo de inovação aberta. Um de seus maiores clientes atualmente é a ArcelorMittal, que há dois anos usa um de seus programas para monitorar a qualidade da produção do aço antes da entrega ao cliente.
O software da Supero, desenvolvido em parceria com a siderúrgica, consegue indicar quais bobinas precisam ser testadas, selecionar os testes adequados para cada caso e registrar os resultados. “Conseguimos agregar valor ao processo produtivo e evitar gastos desnecessários de logística reversa, pois diminuímos o risco de o cliente precisar devolver um produto para reparos”, diz Gadotti.
A jornada de inovação aberta da Ocyan, que opera equipamentos como navios-sonda para a extração de petróleo no mar, pode ser definitiva para convencer e animar outras empresas de base a se abrir para esse tipo de parceria. Em 2019, lançou um concurso para startups apresentarem soluções para alguns dos dilemas vividos pela companhia em seu dia a dia, desde administrativos até operacionais. Atuou, assim, como um “cliente-anjo”.
Das oito startups que foram até a fase final de desenvolvimento de projetos, seis se tornaram fornecedores da companhia — como a Delfos, de Fortaleza, que atuava no ramo de energia eólica mas resolveu dar um salto para a indústria petrolífera usando essa oportunidade.
A seleção para a segunda rodada do Ocyan Waves Challenge, neste ano, já recebeu 125 inscrições. “Ficamos surpresos com a qualidade dos trabalhos apresentados. As startups brasileiras têm todas as condições de enfrentar esses desafios”, diz Rodrigo Lemos, diretor de produção offshore da Ocyan e líder do concurso. Para essas empresas de tecnologia, não vai faltar trabalho para ajudar a indústria nacional.
Fonte: Exame.com, escrita por Carolina Ingizza, Denyse Godoy, Juliana Estigarribia